Meu querido amigo Danillo Fernando Sandri me perguntou hoje de manhã. Fabrício, por que a imprensa fala o tempo todo em 'suposto'(1) homicídio, o 'suposto' mandante, o 'suposto' executor? E eu lhe disse: Ela quer se preservar - especialmente contra o dano moral - , trasmitindo a notícia 'em tese', 'hipoteticamente', porque o juízo da culpa não está formado numa condenação definitiva pela Justiça. Até aí nada de mais. É, aliás, o que se recomenda. O problema é que, ao mesmo tempo em que a imprensa tem preocupação em não condenar alguém antecipadamente, ela se substitui à polícia e revela o tempo todo provas inéditas do caso, levando a sociedade a ter certeza de que o goleiro Bruno, por exemplo, esteve envolvido em tudo. Isso é paradoxal, contraditório. Sabemos que a liberdade de imprensa e a da manifestação do pensamento não são valores absolutos. Há, de outro lado, outros valores de mesma importância: presunção de inocência, devido processo legal, proteção à integridade física e moral das pessoas. O que a mídia tem feito nesses casos é lamentável. Para conquistar mais audiência, ela investiga, acusa e condena, especialmente quando os 'supostos' envolvidos são pessoas famosas. Esses 'eventuais' envolvidos - se forem a julgamento - já vão condenados por toda a sociedade. Os delegados(as) de polícia que presidem a investigação se deslumbraram com os holofotes e disseram várias vezes "Eles são culpados. As provas são fortes, irrefutáveis". Isso não se faz. Isso não se espera de uma autoridade policial. O inquérito policial é fase administrativa, na qual há indiciados (não há denunciado, não há réu, não há condenado). E mais: no inquérito, não se permite o contraditório, ou seja, aquilo que é produzido como 'prova' não é submetido à manifestação da defesa. O delegado, ao final de qualquer inquérito, emite um relatório que não vincula ninguém. É por isso que nos relatórios de inquérito policial há a expressão 'salvo melhor juízo' (smj).
Eu acho um absurdo alguém dizer que os direitos humanos só servem para proteger bandidos. Quem diz isso não sabe o que são os direitos humanos. A propriedade, a intimidade, a privacidade, a imagem, o meio ambiente, a livre iniciativa econômica, a cultura são direitos humanos. Quando se fala em direitos humanos, pensa-se apenas no processo penal, no crime, no bandido, no estuprador etc. Quais são os direitos humanos que eles têm? Os mesmos que todos nós temos: devido processo legal, ampla defesa, contraditório, integridade física e moral, direito de permanecer calado (não produzir prova contra si próprio), inviolabilidade do domicílio, prisão somente em flagrante ou por ordem judicial etc. Isso é demais?
O uso da algema é excepcional. No caso 'goleiro Bruno', os indiciados estão algemados o tempo todo, até dentro da carceragem. Vejo como exagero. Isso viola a súmula do Supremo Tribunal Federal (2).
Há desavisados que dizem: direitos humanos para humanos direitos! Admitir esse trocadilho infame - expressão do professor Thonny - é eliminar todas os direitos e garantias constitucionais conquistadas com tanto suor e sangue ao longo de tantos anos. Ou estamos com saudade dos períodos tristes de ditaduras e governos autoritários, e achamos legítimo julgamento sumário, censura, confissão obtida por meio de tortura?
(1) suposto: adj (lat suppositu) 1 Admitido por hipótese; apresentado, avançado ou dado hipoteticamente; conjeturado. 2 Atribuído sem razão ou fundamento. 3 Que se faz passar falsamente por outro. 4 Inventado ou imaginado como verdadeiro ainda que falso; fictício. 5 Alegado como verdadeiro, sendo falso. 6 Que não é real. Antôn (acepções 3, 4 e 5): verdadeiro; (acepção 6): real. sm 1 A coisa suposta ou conjeturada. 2 Conjetura, hipótese, suposição. 3 Metafísica A individualidade da substância completa e incomunicável, principalmente de pessoa humana; a substância; o que existe abaixo do acidente; o que pode subsistir por si. Suposto que: na suposição ou hipótese de; admitido que; dado o caso que; partindo do princípio que.
(2) Súmula Vinculante n.º 11 (STF): "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado"