sábado, 24 de março de 2012

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quinta-feira, 1 de março de 2012

UM FANTASMA RONDA OS MAUS JUÍZES





















Publico mais um belo texto do professor Bernardo.

Talvez se procurarmos nas fábulas, mitologias e lendas encontraremos a figura de alguém, que, ao se ver questionado e acusado por suas condutas, passe sempre a desqualificar o acusador em vez de provar que não age errado.

A pesquisa não foi feita nas alegorias, mas, lamentavelmente, nos deparamos com essa situação no decorrer da história. Atualmente, no Brasil, quem protagoniza é o Poder Judiciário. Tudo por conta da atuação do Conselho Nacional de Justiça.

A criação do CNJ foi estabelecida pela emenda constitucional n. 45 e seus trabalhos iniciaram em junho de 2005. É composto de quinze membros, entre integrantes do poder judiciário (maioria), advogados, promotores e representantes da sociedade civil. Sua missão, segundo o sítio do órgão na internet, é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade”.

É o que se espera de um órgão de controle. Menos na visão dos “controlados”. Após a declaração da Corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon, Ministra do STJ, de que no Brasil existem “bandidos de toga”, a reação do Judiciário foi enérgica. Não no sentido de mostrar que não existem e sim de desqualificar a corregedora do CNJ e a própria instituição.

O termo utilizado pode até ser pesado, mas por que o susto com a afirmação? Está óbvio que ela utilizou “bandido” como sinônimo de criminoso, aquele que comete algum tipo de crime. Da mesma forma que existem bandidos de terno, de batina, de capacete, de chuteiras, de farda, sem camisa... Ou será que a toga imuniza o portador? Infelizmente, temos maus sujeitos em todos os segmentos sociais, inclusive no Judiciário.

A fala da Ministra deveria servir aos bons Juízes. É a melhor hora de mostrar que nada devem e estão longe de fazer parte da corja de bandidos. A reação que se espera do inocente é a de, ao ser acusado de alguma coisa que não fez, provar que não tem culpa. E não evitar ou tentar impedir que se investigue ou confiar em corregedorias paternalistas. Ele pode até mesmo se antecipar.

Certo é que o Supremo Tribunal Federal, em votação apertada (6x5), confirmou a autonomia e o poder originário do CNJ para investigar e punir maus membros do Poder Judiciário. Deve ser estranho ser julgado, quando normalmente só se julga. Mas fiquem tranqüilos os bons Juízes (que são maioria, ressalte-se):  Só os bandidos é que estão em risco.


Bernardo Schmidt Penna é advogado, mestre em Direito e professor do Curso de Direito da Unesc. Bernardo@unescnet.br



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A autotutela da Administração Pública e o direito ao devido processo legal






Um tema que tem me chamado atenção é o poder de autotutela que a Administração Pública tem no sentido de poder rever seus atos administrativos quando considerados ilegais ou contrários ao interesse público. Sabe-se que pode ser anulado um ato quando contrário à lei. De outro lado, tem-se a revogação quando o ato administrativo não se ajusta à conveniência e oportunidade do agente público. Geralmente, quando a administração pública revê seus atos para anulá-los ou revogá-los, lança mão da jurisprudência do STF, consagrada na Súmula nº 473, a seguir transcrita: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Não parece ser simples assim. A súmula não pode ser uma Katchanga, algo mágico que serve de fundamento para tudo. O cidadão não pode ser refém do alvedrio do administrador, especialmente quando se fala em ato discricionário. Tendo atingido o ato administrativo interesses de particulares, não se pode simplesmente eliminá-lo do mundo jurídico, sem dar ao particular direito ao devido processo legal, com todos os seus consectários.

A propósito, colhem-se da doutrina importantes lições sobre o tema.

“Na esfera administrativa, não pode haver privação de liberdade ou restrição patrimonial, sem o cumprimento do seguinte pressuposto: a consagração legal do processo administrativo em sentido constitucional. A acolhida do devido processo legal administrativo assegura o contraposto para o cidadão frente ao poder da Administração de autotutela do interesse público” (BACELLAR FILHO. ROMEU FELIPE. Processo Administrativo Disciplinar. Ed Max Limoned. 1ª Ed. 1998. p. 67)

"o processo administrativo é indispensável, pois o patrimônio jurídico do interessado pela prática do ato é atingido”, impondo-se, “...para a sua ciência e para que ele, inclusive, possa se contrapor ao desfazimento do ato, oferecendo argumentos no sentido de sua manutenção ou da manutenção de seus efeitos” (ANTUNES, Carmem Lúcia. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo no Direito Brasileiro. In RTDP, São Paulo : Malheiros, 1997, v. 17, p.24)

Não se pode banalizar o uso da referida súmula. Recentemente patrocinei um mandado de segurança que foi indeferido com base exclusivamente nela. Trata-se do caso de uma pessoa deficiente física, que pretendia obter sua carteira de habilitação. Realizou todas as aulas e obteve aprovação no exame teórico. Para a realização das aulas práticas, o DETRAN exige que os veículos sejam cadastrados naquele órgão de Trânsito. Assim, enviou requerimento para o cadastro de sua motocicleta, que foi devidamente cadastrada no sistema do DETRAN, tendo sido realizadas todas as aulas práticas exigidas. Ao final do cumprimento das aulas práticas, foi instalada a banca examinadora para realizar a avaliação, na qual o candidato obteve aprovação, sem ter cometido sequer uma falta.

Após o cumprimento de todas as fases para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, a pessoa soube que não foi possível expedir a habilitação, porque o exame prático devia ter sido feito em motocicleta com carro lateral ou triciclo.


Reitera-se: permitiu-se o cadastramento do veículo, e a realização das aulas e da prova prática, para ao final negar a expedição da Permissão para Dirigir motocicleta.

Além da violação ao devido processo legal, rasgaram-se os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da lealdade etc.

Como dito, o juiz não concedeu a segurança citando em sua decisão apenas a súmula do STF. É mole?

Outro caso muito comum é a anulação de concurso público. Se após a realização da prova, com divulgação dos aprovados, a Administração Pública cogitar anular ou revogar o certame, deverá notificar os aprovados para que eles se manifestem, porque a decisão irá afetar sobremaneira direitos e interesses dos candidatos aprovados. Isso ganha relevo a se saber que atualmente a jurisprudência é tranqüila no sentido de que os aprovados em concurso público dentro do número de vagas previsto em edital têm direito líquido e certo à nomeação. Nesse sentido, veja-se:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.381 - DF (2005⁄0016346-0) 05/12/2008; RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES
EMENTA. Servidor público. Concurso para o cargo de fonoaudiológo da Universidade Federal da Paraíba. Edital com previsão de apenas uma vaga. Candidata aprovada em primeiro lugar. Direito líquido e certo à nomeação e à posse.
1. O concurso representa uma promessa do Estado, mas promessa que o obriga – o Estado se obriga ao aproveitamento de acordo com o número de vagas. 2. O candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, como na hipótese, possui não simples expectativa, e sim direito mesmo e completo, a saber, direito à nomeação e à posse. Precedentes. 3. Segurança concedida.

O Supremo Tribunal Federal tem sólido entendimento sobre a necessidade de se instaurar o devido processo legal quando se pretende anular ou revogar concurso público. Confere-se:

“Concurso público. Nomeações. Anulação. Devido processo legal. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que é necessária a observância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais.” (RE 501.869-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-9-2008, Segunda Turma, DJE de 31-10-2008.)

“O entendimento da Corte é no sentido de que, embora a administração esteja autorizada a anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473 do STF), não prescinde do processo administrativo, com obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.” (AI 710.085-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 3-2-2009, Primeira Turma, DJE de 6-3-2009.)

Desse modo, vê-se que, tendo havido repercussão na vida do particular, não pode o Poder Público simplesmente revogar ou anular um ato, sob o fundamento do exercício da autotuela.  Existe uma nítida limitação aqui: os direitos fundamentais dos cidadãos. É isso!


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Novas reflexões - ou nem tanto







As muitas notícias recentes envolvendo o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e a prisão de deputado estadual não me deixam em paz. E eu não consigo entender a razão pela qual tantos alunos meus reclamam de Direito Constitucional dizendo que são coisas distantes, abstratas demais. Ora, só é assim, porque eles querem. O tempo todo as emissoras de TV estão falando de importantes temas constitucionais. Quem não se interessa, não toma gosto por esses assuntos, tem mesmo que mudar de curso ou de profissão e, talvez, ir fazer moda, gastronomia, turismo, corte e costura etc. Lá vão os meus comentários.

Prisão preventiva de deputado estadual

Eu já tratei aqui sobre a questão relativa às imunidades parlamentares. Como é sabido por todos, a operação Termópilas, desencadeada pela Polícia Federal, redundou na prisão em flagrante do presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia, deputado Valter Araújo. Após a prisão em flagrante e a demora da Casa Legislativa em decidir sobre a liberdade ou não do parlamentar (art. 53, § 2º,CF),  o Tribunal de Justiça converteu a prisão em flagrante em cautelar. Vimos que o deputado estadual Valter Araújo obteve a sua liberdade em habeas corpus deferido pelo STJ. Ocorre que ontem o STJ, alegando que os advogados de Valter mentiram sobre os crimes imputados a ele, ordenou nova prisão preventiva do deputado. A questão é: deputado estadual pode ser preso preventivamente? Pelo que sei, a teor do Texto Constitucional, senadores, deputados federais só podem ser presos em flagrante delito de crime inafiançável (art. 53, §2º, CF). Esta regra é estendida aos deputados estaduais por força do art. 27, §1º, CF. Confere-se:

Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
§ 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

Se é justa, razoável ou ética essa proteção nós podemos discutir numa outra oportunidade. Até já defendi no penúltimo texto que isso não tem sentido, mas o que se tem é uma norma claríssima no sentido de que somente é cabível contra parlamentar prisão em flagrante de crime inafiançável, prerrogativa não aplicável aos vereadores, uma vez que a Constituição Federal não contempla a imunidade formal a eles.  Assim, sem querer fazer uma defesa do deputado estadual preso, é inconstitucional a prisão sofrida por ele. Não se pode decretar nenhuma prisão provisória (preventiva, temporária, decorrente de pronúncia, flagrante de crime afiançável), nem mesmo a civil do devedor de alimentos. Vejam-se, a propósito, lições da doutrina e da jurisprudência, sobretudo, nesse particular, a do Supremo Tribunal Federal. 


A doutrina constitucional é firme quanto à regra de que, desde a expedição do diploma, os parlamentares não poderão ser submetidos a prisão civil ou penal, nesta hipótese inclusa a custódia preventiva, tendo como única exceção o flagrante de crime inafiançável e, mesmo neste caso, os autos deverão ser encaminhados dentro de vinte e quatro horas à casa legislativa a que pertencer o preso, para que resolva sobre a prisão (LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 11ª edição, São Paulo: Método, 2007, p. 358).

No mesmo sentido: “É curioso anotar que a imunidade processual na Constituição de 1988 é muito abrangente, englobando a prisão penal e a civil. Significa que o parlamentar não poderá sofrer nenhum ato privativo da sua liberdade, exceto em flagrante de crime inafiançável” (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 8ª edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 784). Rigorosamente idêntica é a doutrina de ALEXANDRE DE MORAES (Direito Constitucional. 20ª edição, 2006, São Paulo: Atlas, pp. 422/423).


RE 456679/DF - (Informativo 413)
A segunda, de caráter formal (imunidade parlamentar formal), a gerar o estado de relativa incoercibilidade pessoal dos membros do Poder Legislativo Federal, Estadual e Distrital (freedom from arrest), pelo que só poderão eles sofrer prisão provisória ou cautelar numa única e singular hipótese: situação de flagrância em crime inafiançável (art. 53, § 2º, c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, todos da Constituição Federal). (...) destacou o em. relator, em comentário ao art. 53 da Constituição Federal, que as "prerrogativas de caráter político-institucional que inerem ao Poder Legislativo e aos que o integram" são irrenunciáveis e consubstanciam tradição consolidada "ao longo da evolução de nossa história constitucional republicana (CF de 1891, arts. 19/20; CF de 1934, arts. 31/32; CF de 1937, arts. 42/43; CF de 1946, arts. 44/45; CF de 1967, art. 34; CF de 1969, art. 32; CF de 1988, art. 53)" - RTJ 135/509-515. Não é o que ocorre com o advento da Constituição Federal de 1988 que, em seus arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, determinou expressamente que se aplicam aos Deputados Estaduais e aos Deputados Distritais "as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos ...", revogando com isto a Súmula nº 3 do Supremo Tribunal Federal, editada à época em que as inviolabilidades e imunidades daqueles agentes políticos decorriam das Constituições estaduais. Bem por isso, e com absoluta razão, a eg. Quinta Turma do STJ invocou como aplicável à espécie o aresto unânime com que o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a questão incidente no Inquérito nº 510-DF, de que foi relator o em. Ministro CELSO DE MELLO, tendo por objeto as prerrogativas político-institucionais asseguradas aos parlamentares pela Constituição Federal (art. 53, § 2º). Não poderia ser diferente, já que a própria Constituição Federal manda aplicar essas prerrogativas aos Deputados Estaduais e aos Deputados Distritais (arts. 27, § 1º e 32, § 3º). Essa também é a conclusão de ROBERTO ROSAS, ao concluir seus comentários sobre a Súmula nº 3 do STF: "A Constituição de 1988 manda aplicar as suas regras sobre imunidade aos deputados estaduais (art. 27, § 1º); logo, ampliou as imunidades, além dos limites da Súmula" (ob. cit., pág. 13)."


Eu não quero crer que os advogados do deputado não apresentaram esses argumentos no habeas corpus impetrado perante o STJ. 


O Conselho Nacional de Justiça 

Sobre o CNJ eu já falei aqui também. O que vimos nessa semana foi novamente o STF dizer que a atuação no conselho só se justifica diante de inércia ou desídia das corregedorias dos Tribunais de Justiça. Seria algo subsidiário. A decisão liminar, proferida pelo ministro Marco Aurélio, em ADI ajuizada pela Associação dos Magistrados do Brasil, causou enorme repercussão. Além de uma tentativa de moralizar a vida disciplinar e administrativa, constata-se uma verdadeira disputa de força, de vaidade, dentro do Judiciário, quando se fala em CNJ.

Outra notícia da semana diz respeito à decisão dada pelo ministro Ricardo Lewandowski em mandado de segurança impetrado por associações de magistrados em que se discute investigação perpetrada pelo CNJ nos Tribunais de Justiça a respeito de concessão de indenizações a juízes. O ministro do STF entendeu que o CNJ, em sua atuação, quebrou sigilo bancário e fiscal de pessoas, sem respaldo em decisão judicial. 

Se isso aconteceu mesmo, o ministro está corretíssimo, porque o CNJ não tem jurisdição. Trata-se de órgão administrativo do Poder Judiciário. 

Aproveita-se a oportunidade para se cuidar do tema quebra de sigilo de correspondência, bancário, fiscal etc. 

Como se sabe, os direitos fundamentais se prestam, em maior dimensão, à proteção do particular em face do Estado. Não possuem, porém, caráter absoluto, porque há outros valores de mesma envergadura, também reconhecidos como fundamentais: segurança pública, moralidade administrativa, meio ambiente. A respeito disso, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros” (MANDADO DE SEGURANÇA 23.452-RJ, Rel. Min. Celso de Mello).

O direito à privacidade e à intimidade tem a marca da fundamentalidade justamente para resguardar os cidadãos de investidas abusivas em sua vida particular, sobretudo cometidas pelo estado (art. 5º, X, XII, CF). É por isso que, em regra, somente o juiz pode afastar os sigilos da correspondência, bancário, fiscal, determinar interceptação telefônica. Destaca-se aqui algo interessante que, de certo modo, dispensa a chamada reserva de jurisdição (somente o juiz).  Pode a CPI, por expressa autorização constitucional e mediante decisão fundamentada, quebrar os sigilos referidos.

"O princípio constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) – não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à CPI, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas." (MS 23.652, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2000, Plenário, DJ de 16-2-2001.) No mesmo sentido: MS 23.639, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-11-2000, Plenário, DJ de 16-2-2001.

Relativiza-se também a reserva de jurisdição quando se fala em sigilo da correspondência em se tratando de estabelecimento prisional. Confere-se:

A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei 7.210/1984, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.” (HC 70.814, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-3-1994, Primeira Turma, DJ de 24-6-1994.)

A proteção ao cidadão é de tal relevo que até mesmo os órgãos do Fisco ou instituições financeiras não podem divulgar os dados fiscais ou bancários de um particular, sendo inconstitucional norma que reconheça esse poder a essas instituições. 

“Conforme disposto no inciso XII do art. 5º da CF, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. (...) Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.” (RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 15-12-2010, Plenário, DJE de 10-5-2011.)


“Inquérito. Quebra de sigilo bancário. Compartilhamento das informações com a Receita Federal. Impossibilidade. (...) Não é cabível, em sede de inquérito, encaminhar à Receita Federal informações bancárias obtidas por meio de requisição judicial quando o delito investigado for de natureza diversa daquele apurado pelo fisco. Ademais, a autoridade fiscal, em sede de procedimento administrativo, pode utilizar-se da faculdade insculpida no art. 6º da LC 105/2001, do que resulta desnecessário o compartilhamento in casu.” (Inq 2.593-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-12-2010, Plenário, DJE de 15-2-2011.)

Tem-se, contudo, a evidência de que os agentes do Fisco e os funcionários das instituições financeiras têm informações preciosas sobre pessoas e empresas, sendo possível a utilização delas, quando formalmente instaurados processos administrativos, dispensando-se a ordem judicial, mas se guardando o devido sigilo, conforme estabelece a Lei Complementar nº 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências:

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Algumas nuances podem fazer muita diferença quando se examina uma questão, sem embargo de existirem opiniões diversas sobre os tantos temas que envolvem os direitos fundamentais. Agora, se o CNJ, nesse episódio da investigação de auxílio-moradia recebido por juízes, quebrou sigilo bancário, de fato, violou a Constituição, porque se trata de órgão não investido de jurisdição. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Reflexões




Alguns temas têm me intrigado bastante ultimamente. Vou aproveitar o blog para fazer essa reflexão e compartilhar com os que passam por aqui.


1) As 'condenações' sofridas por líderes de países árabes não são apenas fatos isolados. Sabe-se das recentes mortes de Saddam Hussein, Osama Bin Laden, Moammar kaddafi. Em regra, os estados orientais são ditatoriais, dominados há muitos anos por governantes opressores. Em muitos deles o estado se confunde com a igreja. O islamismo, como se sabe, adota ou tolera práticas pouco compreendidas pelos povos ocidentais. Não se pode afirmar que esses estados são constitucionais ou democráticos de direito. Isso é um fato. Ocorre que as nações ocidentais, com história e perfis democráticos sólidos, comportam-se de modo incompreensível. Quando não promovem a morte de um líder árabe, como no caso do Bin Laden, aplaudem a execução sumária que sofrem. Lembro-me agora da reação da secretária de estado dos EUA, Hillary Clinton, ao tomar conhecimento da morte de Kaddafi. Fez cara de inegável satisfação. O paradoxo é evidente. Defendem os direitos humanos, a democracia, a Constituição, mas se regozijam com a condenação à morte sem sequer ter havido um devido processo legal. 

2) Novamente Rondônia é assunto na mídia nacional. Mudam-se os personagens, mas o enredo é o mesmo: corrupção nos poderes constituídos. Todo mundo deve se lembrar de Natanael Silva e Carlão de Oliveira, ex-presidentes da Assembléia Legislativa. Isso para não falar de mais um monte de bandido. A tal imunidade parlamentar precisa ser revista, quiçá extinta. Falam que a imunidade existe para proteger a atuação livre do parlamentar, não permitindo que ele sofra perseguições políticas ou domésticas. Deputados e senadores só podem ser presos em flagrante delito de crime inafiancável. Além disso, após a prisão, a Casa Legislativa dele decide sobre a prisão, podendo soltar o parlamentar. E no caso de ação penal apresentada contra ele, o Poder Legislativo pode suspender o andamento do processo. Esta é a imunidade formal ou processual. A material se refere à inviolabilidade à opinião, palavra e voto. Esta tem mais sentido, porque o instrumento maior do parlamentar é a fala. Agora essa história de proteção contra perseguição política não cola, porque se exige de delegados, membros do Ministério Público e juízes postura isenta, imparcial e impessoal no exercício de suas funções, como bem determina a Constituição Federal. Quando isso não ocorre, há instrumentos processuais para resolver a questão. Não se pode presumir perseguição ou a violação da impessoalidade pelo agente público. Um outro ponto interessante alertado por um amigo é que, apesar da corrupção em Rondônia aparecer constantemente nos noticiários, isso é algo mais positivo do que negativo. Aqui muitas mazelas são descobertas. Têm vindo à tona em Rondônia coisas que acontecem em todos os lugares, a exemplo do episódio no Distrito Federal no ano passado. Imaginem os redutos de importantes corruptos brasileiros: Alagoas, São Paulo, Maranhão etc. Parece que nesse tema estamos mais amadurecidos que muitos estados. 

3) O Conselho Nacional de Justiça foi criado pela Emenda Constitucional 45/2004, a chamada Reforma do Poder Judiciário, especialmente porque havia o sentimento da necessidade de um controle externo do Poder Judiciário, função estatal mais hermética à sociedade, diferente dos poderes Executivo e Legislativo, para os quais há eleições diretas periódicas em que a sociedade participa muito mais ativamente. O falecido senador Antônio Carlos Magalhães chegou a afirmar que "era preciso abrir a caixa preta do Poder Judiciário". Conforme dispõe a Constituição Federal, o papel do CNJ é a fiscalização administrativa e funcional (disciplinar) do Poder Judiciário, sem exercício de atividade jurisdicional. É curioso, porém, que a EC 45/2004 inseriu o CNJ como órgão do Judiciário brasileiro, o que conflita com a ideia de controle externo. Recentemente, a corregedora do CNJ, a ministra do STJ Eliana Calmon, disse que há bandidos escondidos atrás de togas. Essa declaração gerou enorme polêmica, sobretudo no seio da magistratura, tendo rendido declarações ásperas por parte do ministro do STF, César Peluso. A discussão atual tem sido em torno do poder de fiscalização do CNJ quanto à vida disciplinar dos juízes. Existe uma recente decisão do STF, proferida pelo ministro Celso de Mello, em que se entendeu a atuação residual do CNJ, ou seja, somente quando as corregedorias dos tribunais estejam inertes ou não trabalhando a contento na apuração de alguma irregularidade cometida por magistrados. É delicada a questão, mas não vejo problema em dois órgãos fazerem concomitantemente a mesma investigação. O Brasil é engraçado mesmo. Há várias instituições encarregadas de fiscalizar, mas se vê uma grandeza de impunidade. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Um basta no Bastos!






















A repercussão do caso Rafinha Bastos é impressionante. Há mais de duas semanas se vê notícia na imprensa dando conta da história envolvendo o humorista do programa CQC, da Band.
Como todo mundo já deve saber, Rafinha, após Marcelo Tas ter elogiado a cantora Wanessa (Camargo), disse: 'Eu comeria ela e o bebê. Não tô nem aí" Essa não é a primeira encrenca em que Bastos se mete. Num show de stund up, ele disse que as mulheres feias deveriam ficar agradecidas quando forem estupradas. Também no programa CQC, após a exibição no quadro Top Five de um vacilo da apresentadora Daniela Albuquerque, afirmou: "Se fosse eu já dava uma cotovelada: 'É octógono, cadela!' Põe esse nariz no lugar". Nesse episódio, após reação do presidente da RedeTV, a Band fez Rafinha pedir desculpas à moça. A retratação, aliás, foi quase imperceptível, revelando ademais muito cinismo e ironia. 
E não para por aí. No seu DVD 'A arte do insulto', ele fala que o povo de Rondônia é feio demais, é horroroso. Isso causou muita revolta por aqui, com reações bem pesadas contra ele, inclusive do governador Confúcio Moura, que cogitou processá-lo. Recentemente, num outro show, ele asseverou que a Nextel, por ter o ator Fábio Assunção como garoto propaganda, tem como clientes drogados e traficantes. A família do ator ficou louca da vida e fez forte campanha contra ele na internet
Após esse último episódio envolvendo a cantora, a Band afastou Rafinha Bastos do programa por tempo indeterminado. As notícias agora são de que ele pediu demissão da emissora.
Eu nunca simpatizei com esse rapaz. Acho o jeito dele extremamente arrogante, com perfil neonazista, além de só fazer piadas ácidas, as chamadas  politicamente incorretas. Ele não hesita em fazer piada com um idoso, um deficiente físico, um homossexual. Por outro lado, paradoxalmente, faz o programa 'A Liga', que, em geral, revela preocupação com as minorias, os excluídos. 
É inegável o seu talento. Eu já vi vários vídeos muito engraçados dele. Ocorre que, com o enorme sucesso do programa CQC, tudo o que os seus integrantes dizem ganha enorme repercussão. 
Essa polêmica toda permite fazer a sempre delicada reflexão sobre a liberdade de expressão e a honra alheia. Essa celeuma é antiga. Como conciliar o direito de manifestação do pensamento e os direitos do outro? A saída encontrada pelos estados democráticos de direito foi evitar qualquer censura prévia ao exercício do direito fundamental da liberdade de expressão. É por isso que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei de Imprensa, (Lei nº 5.250/67), não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (ADPF nº 130-7). O Supremo considerou incabível qualquer tentativa de regulamentar a liberdade de expressão que pretenda limitar a manifestação do pensamento. Foi também por esta razão que o STF julgou ser dispensável o diploma superior para o exercício da atividade de jornalista, que estava previsto no art. 4º, inciso V, do Decreto-Lei 972/1969 (RE 511961). Os ministros entenderam que o exercício da profissão do jornalista se confunde com a liberdade de expressão, não tendo sentido, assim, se exigir diploma para a atuação nos veículos de imprensa. Vê-se, portanto, que não existe censura no Brasil e, de fato, nem cabe, considerados os contornos constitucionais que temos. A conclusão a que chegou o Supremo foi a seguinte: havendo abuso na manifestação do pensamento, a sanção poderá vir sempre a posteriori, nunca previamente. E é assim que ocorre. Se alguém excede na sua fala e ofende a honra de outrem, deverá responder pelo seu comportamento, conforme preceitua a Lei Fundamental. Veja-se:  art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V -  é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. A cantora Wanessa Camargo já ajuizou ação de indenização contra Rafinha Bastos. Ela pede R$ 100.000,00 a título de dano moral. Rafinha, quem fala o que quer pode ter de suportar conseqüências indesejáveis. E não tem nada de inconstitucional nisso. Agora aguenta o tranco, fiote!

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O perigo do julgamento pela “consciência”



Segue abaixo texto do meu amigo e coordenador do curso de Direito da Unesc, professor Bernardo Penna. Trata-se de uma reflexão com a qual concordo e, também por isso, resolvi publicar aqui, com o consentimento do autor. Aí vai.

Dentre as definições do Dicionário Aurélio para consciência temos que se trata do “atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade”; bem como “faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados”; ou ainda “senso de responsabilidade”. Entretanto, para o Direito, não se demonstra pertinente o julgamento conforme a consciência do julgador.

É comum vermos juízes que, ao se depararem com questões intricadas ou sobre as quais não há normas ou se forma um conflito em que se exige do intérprete uma construção de sentido, bradam que “julgaram conforme sua consciência”.

Ora, seria louvável tal afirmação se se tratasse de decisão que envolvesse sua própria vida, como criação de filhos, opções sociais, casamento, religião etc. No entanto, não nos parece ser a “consciência” do juiz o terreno ideal para se alicerçar a construção do Direito. Talvez até mesmo vítimas do “eudeusamento” que recebem de parte da sociedade, se sintam com a consciência acima da razão e do próprio Direito.

O juiz não deve julgar conforme sua consciência e sim conforme o ordenamento jurídico, sobretudo a Constituição. É essa, em síntese a crítica que faz o Procurador do Estado do Rio Grande do Sul e notável jurista Lênio Streck. Ele afirma que as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais e que, na democracia, não cabe mais dizer que entre a lei e minha consciência, opto pelo meu sentimento do justo (1).

A consciência do sujeito não contempla apenas valores positivos. É nela também que se encontram seus preconceitos, traumas, crenças etc. Caso se julgue a seu talante, poderemos nos deparar com decisões preconceituosas envolvendo direitos homoafetivos, por exemplo. Ou ainda decisões baseadas em supostos “benefícios” para certas categorias, como a proibição de festas para a juventude. Fatores como a religião do intérprete também poderão servir de base para julgar pessoas que talvez nem mesmo a ela sejam caras.

O alargamento do poder do juiz visando à construção do Direito e a justiça substancial, desiderato do pós-positivismo, é salutar, porém deve ser atingido sempre com a devida parcimônia e com sólida estrutura argumentativa. Não basta se bater no peito e dizer que se decidiu conforme a consciência.

Com a inteligência de sempre, Maria Celina Bodin de Moraes ressalta que “a aceitação racional das decisões judiciais deve ser guiada pela qualidade dos argumentos levantados e que a chamada ‘constitucionalização’ não pode funcionar como um pretexto a conferir ao magistrado carta branca para decidir conforme suas convicções pessoais." (2) 

Diante disso, temos que, por mais que o magistrado tenha firmeza em seus preceitos de consciência e até os considere absolutamente justos, ele não pode traduzi-los em preceitos jurídicos, devendo sempre se guiar pelos valores constantes de nosso ordenamento.

[1] STRECK, Lênio Luis. O que é isto – Decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[2] MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.