quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O perigo do julgamento pela “consciência”



Segue abaixo texto do meu amigo e coordenador do curso de Direito da Unesc, professor Bernardo Penna. Trata-se de uma reflexão com a qual concordo e, também por isso, resolvi publicar aqui, com o consentimento do autor. Aí vai.

Dentre as definições do Dicionário Aurélio para consciência temos que se trata do “atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade”; bem como “faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados”; ou ainda “senso de responsabilidade”. Entretanto, para o Direito, não se demonstra pertinente o julgamento conforme a consciência do julgador.

É comum vermos juízes que, ao se depararem com questões intricadas ou sobre as quais não há normas ou se forma um conflito em que se exige do intérprete uma construção de sentido, bradam que “julgaram conforme sua consciência”.

Ora, seria louvável tal afirmação se se tratasse de decisão que envolvesse sua própria vida, como criação de filhos, opções sociais, casamento, religião etc. No entanto, não nos parece ser a “consciência” do juiz o terreno ideal para se alicerçar a construção do Direito. Talvez até mesmo vítimas do “eudeusamento” que recebem de parte da sociedade, se sintam com a consciência acima da razão e do próprio Direito.

O juiz não deve julgar conforme sua consciência e sim conforme o ordenamento jurídico, sobretudo a Constituição. É essa, em síntese a crítica que faz o Procurador do Estado do Rio Grande do Sul e notável jurista Lênio Streck. Ele afirma que as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais e que, na democracia, não cabe mais dizer que entre a lei e minha consciência, opto pelo meu sentimento do justo (1).

A consciência do sujeito não contempla apenas valores positivos. É nela também que se encontram seus preconceitos, traumas, crenças etc. Caso se julgue a seu talante, poderemos nos deparar com decisões preconceituosas envolvendo direitos homoafetivos, por exemplo. Ou ainda decisões baseadas em supostos “benefícios” para certas categorias, como a proibição de festas para a juventude. Fatores como a religião do intérprete também poderão servir de base para julgar pessoas que talvez nem mesmo a ela sejam caras.

O alargamento do poder do juiz visando à construção do Direito e a justiça substancial, desiderato do pós-positivismo, é salutar, porém deve ser atingido sempre com a devida parcimônia e com sólida estrutura argumentativa. Não basta se bater no peito e dizer que se decidiu conforme a consciência.

Com a inteligência de sempre, Maria Celina Bodin de Moraes ressalta que “a aceitação racional das decisões judiciais deve ser guiada pela qualidade dos argumentos levantados e que a chamada ‘constitucionalização’ não pode funcionar como um pretexto a conferir ao magistrado carta branca para decidir conforme suas convicções pessoais." (2) 

Diante disso, temos que, por mais que o magistrado tenha firmeza em seus preceitos de consciência e até os considere absolutamente justos, ele não pode traduzi-los em preceitos jurídicos, devendo sempre se guiar pelos valores constantes de nosso ordenamento.

[1] STRECK, Lênio Luis. O que é isto – Decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[2] MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.