quinta-feira, 14 de abril de 2011

A constitucionalidade do exame da OAB






















A gente vê sempre a já velha discussão sobre a constitucionalidade do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Vez ou outra se tem notícia de juízes que decidem pela inconstitucionalidade dessa exigência, prevista na Lei nº 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da OAB (art. 8º, IV).
Não vejo como inválida a norma de exigência do exame para o desempenho da profissão de advogado. Vou tentar demonstrar isso.
Sabe-se que a Constituição Federal, no seu extenso rol de direitos fundamentais, contemplou o direito de exercício de profissão. Em princípio, é possível desenvolver qualquer profissão. Veja a regra da Lei Fundamental:

Art. 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Embora a Constituição Federal fale em aplicação imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º), vê-se que algumas regras não produzem por si só todos os efeitos pretendidos pelo legislador constituinte. Por conta disso, José Afonso da Silva consagrou a mais importante classificação das normas constitucionais, adotada por todos os tribunais brasileiros. Além das normas de eficácia plena e as de eficácia limitada (que dependem de regulamentação), existem as normas de eficácia contida ou restringível, ou seja, à primeira vista o direito pode ser exercido plenamente, mas o legislador pode restringir a sua amplitude, ao definir requisitos para a realização do direito fundamental. Acerca das normas constitucionais de eficácia contida  (contível ou restringível), veja a lição de José Afonso da Silva:

I - São normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos.
II - Enquanto o legislador ordinário não expedir normação restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário, em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva.
III - São de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3a ed. Malheiros, São Paulo, 1998, p. 104).

O exemplo clássico de norma constitucional de eficácia contida é o exercício de profissão. Como visto, a redação do dispositivo constitucional já sugere que podem surgir requisitos para o exercício de profissão, revelada pela expressão “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Assim, a rigor, eu posso desenvolver qualquer profissão, mas, se o legislador competente trouxer alguma restrição ou limitação, isso será legítimo, considerado o princípio da legalidade. Sobre a competência legislativa a respeito do exercício de profissão assim dispõe a Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões.

Tem-se, em princípio, que é válida a regra constante no Estatuto da OAB, considerando-se a característica da regra constitucional, bem como a competência da união para legislar sobre a matéria, por meio de lei formal. O ato normativo aqui é a lei elaborada pelo legislador. Não se admitirá ato normativo infralegal ou secundário, como decretos, resoluções ou portarias. O STF já entendeu várias vezes que é ilegítimo limitar-se direito de profissão mediante atos normativos secundários.
No caso do exame da OAB, a lei é formal – proveniente do Congresso Nacional. Não vejo como exagerada ou desproporcional a exigência de aprovação na prova para se ter a inscrição na OAB e, aí sim, poder prestar a advocacia.
Sobre os direitos fundamentais e o seu caráter não-absoluto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros” (MANDADO DE SEGURANÇA 23.452-RJ, Rel. Min. Celso de Mello).

Essas decisões isoladas que a gente vê por aí não se sustentam. Sempre são cassadas pelos tribunais. Experimente pedir ao STF a apreciação da constitucionalidade do exame. Você verá que o exame é constitucional, exatamente em razão desses argumentos que lancei aqui. Valeu!