sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O PODER LEGISLATIVO TEM VIDA ADMINISTRATIVA.

A nossa triste realidade.
Todo mundo acompanha estarrecido a “crise” pela qual passa o Poder Legislativo. Talvez nem esteja tão escandalizada a população diante da repetição diária das notícias dando conta das mazelas e absurdos lá cometidos. Trata-se de um festival com o dinheiro público. É triste, mas é real. Vamos tentar compreender um pouco disso, se é que podemos ou é possível. Vejamos, então, a ótica constitucional das coisas.
O Senado da República e a Câmara dos Deputados compõem o Congresso Nacional. São casas responsáveis pelas atividades típicas de elaborar, discutir e votar leis (arts. 48 e 59, CF), e de fiscalizar os atos do Poder Executivo (art. 49, X, CF).
O Senado, ademais, tem um papel relevantíssimo na federação brasileira. É a casa que deve proteger a federação.
A federação é a forma de estado adotada no Brasil, pela qual se estabelecem vários núcleos de poder num estado composto. As partes – estados e municípios - gozam de autonomia, que é a capacidade de autogoverno, existência de orçamento, receita, leis próprias. Em um estado unitário (como a Espanha, o Uruguai), só existe um núcleo de poder: o central. Tal é a importância da nossa forma de estado que sequer por emenda constitucional ela pode ser alterada (art. 60, §4º, IV, CF)
Os senadores representam os estados (art. 46, CF), enquanto os deputados federais, o povo (art. 45, CF). A representação dos estados no Senado, como sabemos, é igualitária, ou seja, qualquer estado, grande ou pequeno, possui três senadores. O Senado tem atribuição constitucional de velar pelo pacto federativo, evitando-se, por exemplo, aquilo que se chama de guerra fiscal entre os estados mediante controle de alíquotas do ICMS (art. 155, §2º, IV e V, CF), que é um imposto estadual. Há diversas outras atribuições do Senado que reforçam esse aspecto do pacto federativo.
O Senado da República deve ser a casa da convergência, da unidade, do equilíbrio. Na Câmara dos Deputados, porém, é salutar haver divergência, pluralidade, diferença, porque o povo é assim.
Pois bem. O Poder Legislativo tem também vida administrativa – atividade atípica - , verificada na existência de estrutura física, patrimônio, servidores, necessidade de fazer licitações e concursos públicos, nomeações de pessoas para cargos em comissão e funções de confiança (o que vamos distinguir mais à frente) e muito mais. É tudo aquilo que o Poder Executivo, de maneira mais clássica, e o Poder Judiciário também fazem.
Estamos cansados de ver ilustres senadores e deputados e as instituições Câmara e Senado praticando, na sua vida não-legislativa, imensuráveis afrontas à Lei Fundamental, à qual evidentemente eles também estão sujeitos. Parece que não sabem disso.
Não são ignorados os graves problemas de gestão e corrupção envolvendo os ex-diretores do Senado Federal, fatos também adstritos a sua vida administrativa.
Entretanto, pretende-se abordar aqui especificamente a questão relacionada às nomeações aos cargos comissionados mediante atos secretos (secretos?), e às passagens aéreas distribuídas sem nenhum critério. Nesse ponto em especial, parece que ter percebido que havia necessidade de regras sérias para o uso de passagens foi uma grande descoberta. Nossa! Então não pode ser assim de qualquer jeito? Não posso doar uma passagem aérea a minha namorada para viagem de férias? É preciso respeitar a Constituição? Brincadeira! E olha que o Deputado Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados, é um importante constitucionalista brasileiro.
Esses fatos ilustram bem o que se pretende mostrar.
Vamos repetir a premissa. O Poder Legislativo desenvolve atividades administrativas.
Assim, vejamos os famosos princípios constitucionais que orientam a vida administrativa do estado brasileiro.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Vamos lá. É preciso mostrar o óbvio a eles. Assim diz a norma: A administração de qualquer dos Poderes da União. O Legislativo compõe algum dos poderes da República? Com muito esforço, pode-se concluir que sim.
O que são princípios? Os princípios, como se sabe, são valores, mandamentos que norteiam todo o sistema, servindo de sustentação para a interpretação das normas no âmbito do sistema jurídico.
São normas – impõem observância - , as mais importantes do ordenamento jurídico. Servem de fundamento de validade a todas as outras normas. E quando a violação é de princípio constitucional? Nossa! Aí a coisa é séria, é o maior desrespeito que se pode ter.
Voltemos aos atos secretos do Senado nos quais são escondidas imoralidades. É possível sustentar isso, gente? A República não admite! A coisa pública não aceita! É preciso avisar isso aos parlamentares. A publicidade dos atos estatais é direito fundamental dos cidadãos, meu Deus! Não há contradição maior em não se dar publicidade a atos públicos por excelência. No Estado de Direito tudo tem que ser posto às claras. É direito fundamental, repito. Vamos a ele.
Art. 5º, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
O que são os cargos em comissão e as funções de confiança? Observem a Constituição Federal.
Art. 37, V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Em respeito aos princípios da igualdade, da moralidade e da impessoalidade, num Estado Democrático de Direito, a regra é o ingresso no serviço público por meio de concurso público. Entretanto, o legislador constituinte traçou algumas exceções, algumas das quais previstas no dispositivo transcrito acima. São as atribuições de chefia, direção e assessoramento. Ser nomeado para função de confiança pressupõe a ocupação de cargo efetivo, ou seja, aquele para o qual se exige concurso público e tem regime jurídico próprio, decorrente de lei. São cargos não regidos pela CLT. O que mais nos interessa aqui são os cargos em comissão, aqueles também baseados na confiança. Para esses não se exige a condição de ocupar cargo público. Em tese, qualquer pessoa pode ocupá-lo, já que a lei referida na norma constitucional supracitada não existe ainda. Os cargos de assessores de parlamentares são em comissão, de livre nomeação e livre exoneração (traduzindo: liberdade para admitir e demitir a qualquer tempo, quando quiser). Lembremos que há os princípios constitucionais aos quais eles, os probos legisladores, devem observância.
Não é pelo fato de ser o cargo de livre nomeação e exoneração que o parlamentar pode fazer dele o que quiser. Há os princípios constitucionais, que são NORMAS, obrigam, vinculam. É vedado o nepotismo (contratar parentes para o serviço público) em todos os poderes e esferas do estado brasileiro. É importante destacar a súmula vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal. Tamanha é a força dos princípios que a súmula seria até dispensável. Mesmo assim, viu-se a necessidade de editá-la. Mas os princípios continuam sendo desrespeitados.
Parlamentares ignoram a Constituição. Praticam o nepotismo cruzado, um ajuste de nomeações recíprocas. Um nomeia parente do outro. O STF foi criterioso e também o vedou. Eles brincam com a soberania popular: o poder emana do povo. Este é o princípio republicano. Brincam com o dinheiro público e, por conseqüência, com o povo.
Comportamento contrário aos preceitos constitucionais e a súmula evidentemente viola a moralidade e a igualdade. Penso que nem precisa definir ou conceituar esses princípios, por serem auto-explicativos. Configura ato de improbidade, conduta indecorosa, imoral, antiética. Talvez seja necessário comentar um pouco sobre o princípio da impessoalidade, de cujo nome não se extraem o seu significado e todas as suas implicações.
O que será dito aqui serve tanto para as nomeações aos cargos em comissão quanto para a distribuição das passagens aéreas.
O princípio da impessoalidade é valor que se impõe num Estado Democrático de Direito, sob pena de se legitimar adoção de privilégios e a mistura do público com o privado.
Ele se revela sob duas perspectivas: a primeira se mostra compreensível na norma reproduzida abaixo, em sua última parte. Acompanhemos.
Art. 37, § 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Na publicidade de atos de governo, é vedado associá-la aos governantes ou servidores. Todos os atos emanados do Poder Público são atribuídos ao Estado e nunca ao servidor que os editou.
A outra perspectiva do princípio da impessoalidade é a atuação do estado se dar sempre de modo a evitar preferência, privilégio às pessoas. Trata-se de estrito cumprimento do princípio da igualdade. É em decorrência deles que existem os concursos públicos e as licitações, por exemplo, de modo que as escolhas sejam feitas com base em critérios objetivos, nunca arbitrários ou subjetivos. Isso é como deve ser! Nem sempre é. No Legislativo, quase nunca.
Esta é bem importante ao Senado, que é, como vimos, a casa da federação. É preciso avisar aos nobres senadores que existe uma vedação de natureza federativa que contempla também o princípio da impessoalidade. Vejamos:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Podemos notar que a junção das primeiras letras de cada princípio do art. 37 forma a palavrinha LIMPE. Desse modo, como não tem havido observância desses valores pelo Poder Legislativo brasileiro, vamos fazer um SANEAMENTO lá nas próximas eleições, porque aguardar o Conselho de Ética não parece ser decisão acertada. Nem integrantes tem o bendito conselho do Senado Federal. Aguardar a ação do Ministério Público e da Justiça também não se mostra uma decisão razoável, dadas a inoperância e morosidade de ambos. A soberania popular deve resolver isso, votando–se melhor. Por fim, só mais uma pergunta. Que legitimidade tem o Poder Legislativo de realizar a sua atividade típica de fiscalizar os atos administrativos do Poder Executivo se a sua vida administrativa é uma balbúrdia?
Espero ter ajudado.








2 comentários:

Ick disse...

tem palavras demais no texto, rsrsrs Paz professor

Loany Costa disse...

Oi Fabrício, gostaria de parabenizá-lo pela iniciativa, afinal de contas, construir um blog de qualidade não é o principal objetivo dos blogueiros. Ademais, pela qualidade do artigo que expressa maturidade e, porque não, coragem. É um orgulho para a humanidade ver pessoas exatamente assim como você, com ideais e conteúdo. Tenha humildade sempre, porque talento dá pra ver que você tem de sobra. Que Deus o abençoe por toda a vida!