sábado, 24 de março de 2012

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quinta-feira, 1 de março de 2012

UM FANTASMA RONDA OS MAUS JUÍZES





















Publico mais um belo texto do professor Bernardo.

Talvez se procurarmos nas fábulas, mitologias e lendas encontraremos a figura de alguém, que, ao se ver questionado e acusado por suas condutas, passe sempre a desqualificar o acusador em vez de provar que não age errado.

A pesquisa não foi feita nas alegorias, mas, lamentavelmente, nos deparamos com essa situação no decorrer da história. Atualmente, no Brasil, quem protagoniza é o Poder Judiciário. Tudo por conta da atuação do Conselho Nacional de Justiça.

A criação do CNJ foi estabelecida pela emenda constitucional n. 45 e seus trabalhos iniciaram em junho de 2005. É composto de quinze membros, entre integrantes do poder judiciário (maioria), advogados, promotores e representantes da sociedade civil. Sua missão, segundo o sítio do órgão na internet, é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade”.

É o que se espera de um órgão de controle. Menos na visão dos “controlados”. Após a declaração da Corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon, Ministra do STJ, de que no Brasil existem “bandidos de toga”, a reação do Judiciário foi enérgica. Não no sentido de mostrar que não existem e sim de desqualificar a corregedora do CNJ e a própria instituição.

O termo utilizado pode até ser pesado, mas por que o susto com a afirmação? Está óbvio que ela utilizou “bandido” como sinônimo de criminoso, aquele que comete algum tipo de crime. Da mesma forma que existem bandidos de terno, de batina, de capacete, de chuteiras, de farda, sem camisa... Ou será que a toga imuniza o portador? Infelizmente, temos maus sujeitos em todos os segmentos sociais, inclusive no Judiciário.

A fala da Ministra deveria servir aos bons Juízes. É a melhor hora de mostrar que nada devem e estão longe de fazer parte da corja de bandidos. A reação que se espera do inocente é a de, ao ser acusado de alguma coisa que não fez, provar que não tem culpa. E não evitar ou tentar impedir que se investigue ou confiar em corregedorias paternalistas. Ele pode até mesmo se antecipar.

Certo é que o Supremo Tribunal Federal, em votação apertada (6x5), confirmou a autonomia e o poder originário do CNJ para investigar e punir maus membros do Poder Judiciário. Deve ser estranho ser julgado, quando normalmente só se julga. Mas fiquem tranqüilos os bons Juízes (que são maioria, ressalte-se):  Só os bandidos é que estão em risco.


Bernardo Schmidt Penna é advogado, mestre em Direito e professor do Curso de Direito da Unesc. Bernardo@unescnet.br



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A autotutela da Administração Pública e o direito ao devido processo legal






Um tema que tem me chamado atenção é o poder de autotutela que a Administração Pública tem no sentido de poder rever seus atos administrativos quando considerados ilegais ou contrários ao interesse público. Sabe-se que pode ser anulado um ato quando contrário à lei. De outro lado, tem-se a revogação quando o ato administrativo não se ajusta à conveniência e oportunidade do agente público. Geralmente, quando a administração pública revê seus atos para anulá-los ou revogá-los, lança mão da jurisprudência do STF, consagrada na Súmula nº 473, a seguir transcrita: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Não parece ser simples assim. A súmula não pode ser uma Katchanga, algo mágico que serve de fundamento para tudo. O cidadão não pode ser refém do alvedrio do administrador, especialmente quando se fala em ato discricionário. Tendo atingido o ato administrativo interesses de particulares, não se pode simplesmente eliminá-lo do mundo jurídico, sem dar ao particular direito ao devido processo legal, com todos os seus consectários.

A propósito, colhem-se da doutrina importantes lições sobre o tema.

“Na esfera administrativa, não pode haver privação de liberdade ou restrição patrimonial, sem o cumprimento do seguinte pressuposto: a consagração legal do processo administrativo em sentido constitucional. A acolhida do devido processo legal administrativo assegura o contraposto para o cidadão frente ao poder da Administração de autotutela do interesse público” (BACELLAR FILHO. ROMEU FELIPE. Processo Administrativo Disciplinar. Ed Max Limoned. 1ª Ed. 1998. p. 67)

"o processo administrativo é indispensável, pois o patrimônio jurídico do interessado pela prática do ato é atingido”, impondo-se, “...para a sua ciência e para que ele, inclusive, possa se contrapor ao desfazimento do ato, oferecendo argumentos no sentido de sua manutenção ou da manutenção de seus efeitos” (ANTUNES, Carmem Lúcia. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo no Direito Brasileiro. In RTDP, São Paulo : Malheiros, 1997, v. 17, p.24)

Não se pode banalizar o uso da referida súmula. Recentemente patrocinei um mandado de segurança que foi indeferido com base exclusivamente nela. Trata-se do caso de uma pessoa deficiente física, que pretendia obter sua carteira de habilitação. Realizou todas as aulas e obteve aprovação no exame teórico. Para a realização das aulas práticas, o DETRAN exige que os veículos sejam cadastrados naquele órgão de Trânsito. Assim, enviou requerimento para o cadastro de sua motocicleta, que foi devidamente cadastrada no sistema do DETRAN, tendo sido realizadas todas as aulas práticas exigidas. Ao final do cumprimento das aulas práticas, foi instalada a banca examinadora para realizar a avaliação, na qual o candidato obteve aprovação, sem ter cometido sequer uma falta.

Após o cumprimento de todas as fases para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, a pessoa soube que não foi possível expedir a habilitação, porque o exame prático devia ter sido feito em motocicleta com carro lateral ou triciclo.


Reitera-se: permitiu-se o cadastramento do veículo, e a realização das aulas e da prova prática, para ao final negar a expedição da Permissão para Dirigir motocicleta.

Além da violação ao devido processo legal, rasgaram-se os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da lealdade etc.

Como dito, o juiz não concedeu a segurança citando em sua decisão apenas a súmula do STF. É mole?

Outro caso muito comum é a anulação de concurso público. Se após a realização da prova, com divulgação dos aprovados, a Administração Pública cogitar anular ou revogar o certame, deverá notificar os aprovados para que eles se manifestem, porque a decisão irá afetar sobremaneira direitos e interesses dos candidatos aprovados. Isso ganha relevo a se saber que atualmente a jurisprudência é tranqüila no sentido de que os aprovados em concurso público dentro do número de vagas previsto em edital têm direito líquido e certo à nomeação. Nesse sentido, veja-se:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.381 - DF (2005⁄0016346-0) 05/12/2008; RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES
EMENTA. Servidor público. Concurso para o cargo de fonoaudiológo da Universidade Federal da Paraíba. Edital com previsão de apenas uma vaga. Candidata aprovada em primeiro lugar. Direito líquido e certo à nomeação e à posse.
1. O concurso representa uma promessa do Estado, mas promessa que o obriga – o Estado se obriga ao aproveitamento de acordo com o número de vagas. 2. O candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, como na hipótese, possui não simples expectativa, e sim direito mesmo e completo, a saber, direito à nomeação e à posse. Precedentes. 3. Segurança concedida.

O Supremo Tribunal Federal tem sólido entendimento sobre a necessidade de se instaurar o devido processo legal quando se pretende anular ou revogar concurso público. Confere-se:

“Concurso público. Nomeações. Anulação. Devido processo legal. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que é necessária a observância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais.” (RE 501.869-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-9-2008, Segunda Turma, DJE de 31-10-2008.)

“O entendimento da Corte é no sentido de que, embora a administração esteja autorizada a anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473 do STF), não prescinde do processo administrativo, com obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.” (AI 710.085-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 3-2-2009, Primeira Turma, DJE de 6-3-2009.)

Desse modo, vê-se que, tendo havido repercussão na vida do particular, não pode o Poder Público simplesmente revogar ou anular um ato, sob o fundamento do exercício da autotuela.  Existe uma nítida limitação aqui: os direitos fundamentais dos cidadãos. É isso!