Flávio da Silva Andrade*
No dia 02/05/2010, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a edição de 07 (sete) novas súmulas em matéria penal. A súmula nº 438 tem o seguinte enunciado: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal". Versa, portanto, sobre a prescrição retroativa antecipada ou prescrição pela pena in perspectiva ou, ainda, prescrição virtual ou pela pena projetada.
Embora a Lei nº 12.234, de 06/05/2010, tenha revogado o § 2º do art. 110 do Código Penal, pondo fim à possibilidade de se reconhecer a chamada prescrição retroativa, conforme lição de Damásio Evangelista de Jesus , sabe-se que tal norma penal é de direito material e só se aplica a fatos ocorridos após o início de sua vigência (art. 5º, XL, da CF/88). Noutras palavras, ainda é possível o arquivamento de inquéritos policiais e mesmo de ações penais com base na prescrição retroativa.
O instituto da prescrição retroativa antecipada ou pela pena in perspectiva não tinha amparo legal; era uma criação doutrinária e jurisprudencial, muito aplicada na primeira instância do Poder Judiciário brasileiro. Na segunda instância, por muito tempo se rechaçou a ideia do reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, mas nos últimos anos várias Cortes Estaduais e Federais passaram a admitir a aplicação de tal instituto justamente porque seria inócuo prosseguir com um inquérito policial ou uma ação penal se depois houvesse de se reconhecer a extinção da punibilidade por força da prescrição retroativa (art. 110, § 2º, do CP).
Não era razoável (e ainda não o é para fatos ocorridos antes de 06/05/2010) o acionamento da máquina judiciária para um esforço persecutório que, desde logo, sabe-se restará inútil. Era preciso evitar o desperdício de atividade. Não tinha sentido o dispêndio de tempo e energias, se, diante das circunstâncias do caso concreto, considerando-se a pena em perspectiva ou hipotética, enxergava-se o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. O reconhecimento antecipado da prescrição evitava um processo inútil, que não levaria a nada, prestigiando o princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, CF/88).
Quando não se aplica a tese da prescrição retroativa antecipada nos casos em que ainda é cabível (ocorridos antes de 06/05/2010), movimenta-se desnecessariamente a máquina judiciária e o magistrado, após regular instrução do feito, deve prolatar uma sentença. Se for condenatória, deve depois proferir novo decisum para reconhecer a prescrição retroativa . Na verdade, esse procedimento representa dispêndio de tempo e o emprego inócuo de recursos públicos para impulsionar um feito criminal em relação ao qual não há o menor interesse de agir, na medida em que eventual condenação será inútil.
A súmula nº 438 do STJ não impede que se continue a aplicar o instituto da prescrição retroativa antecipada para os fatos acontecidos antes da entrada em vigor da Lei nº 12.234/2010. Note-se que o enunciado veda a decretação da extinção da punibilidade do agente com fundamento na prescrição pela pena hipotética. Realmente, não é possível declarar a extinção da punibilidade do acusado com base nesse fundamento, pois não existe suporte legal para tanto nos artigos 109 e 110 do Código Penal Brasileiro. O que se tem feito (e deverá continuar na hipótese antes referida) é o arquivamento de inquéritos policiais e a rejeição de denúncias (e até extinção de ações penais) por falta de interesse de agir, quando se constatar, com tranquilidade, a chamada prescrição virtual ou pela pena em perspectiva. O entendimento jurisprudencial do STJ, consolidado na súmula antes mencionada, não obsta que o Ministério Público e o Juízo avaliem o preenchimento das condições da ação penal, dentre elas o interesse de agir (art. 43, III, do CPP). Sobre o tema, ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO ensinam: "No processo penal, o interesse-necessidade é implícito em toda a acusação, uma vez que a aplicação da pena não pode fazer-se senão através do processo. Já o interesse-adequação se coloca na ação penal condenatória, em que o pedido deve necessariamente ser a aplicação da sanção penal, sob pena de caracterizar-se a ausência da condição. Pode-se também falar no interesse-utilidade, compreendendo a ideia de que o provimento pedido deve ser eficaz: de modo que faltará interesse de agir quando se verifique que o provimento condenatório não poderá ser aplicado (como, por exemplo, no caso de a denúncia ou queixa ser oferecida na iminência de consumar-se a prescrição da pretensão punitiva. Sem aguardar-se a consumação desta, já se constata a falta de interesse de agir)."
A nova súmula do STJ não obstaculiza, em relação a fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 12.234, de 06/05/2010, o arquivamento de inquéritos policiais e a rejeição de denúncias em razão do reconhecimento da prescrição retroativa antecipada, virtual ou pela pena in perspectiva. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça fez uma interpretação que despreza o fato de que a prescrição em comento é consequência natural da prescrição retroativa e que o âmago da controvérsia reside na falta de uma das condições da ação penal: o interesse processual. O Tribunal da Cidadania orientou-se apenas pelas regras de direito penal acerca da prescrição, olvidando-se que a matéria envolve aspectos de Direito Processual Penal e até de Direito Administrativo.
Enfim, a prescrição retroativa antecipada, virtual ou pela pena in perspectiva deve continuar sendo invocada para se arquivar, por falta de interesse de agir, aqueles casos (acontecidos antes de 06/05/2010) em que o avanço da persecução penal redundará em nada por conta do futuro e inevitável reconhecimento da prescrição. Como disse o Desembargador Federal OLINDO MENEZES, "se o Estado não exerceu o direito de punir em tempo socialmente eficaz e útil, não convém levar à frente ações penais fadadas de logo ao completo insucesso”. (TRF da 1ª Região. RCCR 2002.34.00.028667-3/DF. Voto-vista. Terceira Turma. Publicação: 14/01/2005. DJ: p.33).
* O autor é Juiz Federal em Rondônia.