Depois de alguns dias de férias, longe da nossa viciante e imprescindível internet, retornei a Cacoal. Semana que vem volto à rotina na Sefin e na Unesc. Coisa boa! Em Natal-RN, pelos noticiários, eu soube da tragédia no Haiti. Como não podia ser diferente, fiquei extremamente sensibilizado com tanta desgraça num único lugar. Ver o Haiti, já tão pobre, sofrer abalo dessa magnitude deixa qualquer um desconcertado. Mas uma notícia me tocou de modo especial: a morte do Coronel Emílio. Como muitos amigos sabem, fui tentente temporário do Exército por quatro anos - certamente a experiência mais rica da minha vida. Servi de 1998 a 2000 na cidade de Marabá-PA. Trabalhei no 23º Batalhão Logístico de Selva. Além do serviço em seus batalhões, os tenentes de todos os quartéis de Marabá tiravam serviço de Oficial de Dia - trabalho do tenente que comanda todo o serviço de guarda de um quartel - também na Brigada, quartel onde fica o General que comanda toda a região. Num domingo, em dia de desagradável serviço de Oficial de Dia no quartel da Brigada, vivi uma experiência chata que me marcou bastante. É aqui que entra o Coronel Emílio, um dos brasileiros mortos pelo terremoto que destruiu o Haiti. Naquele domingo pela manhã, após eu ter assumido o serviço, chamei um soldado até mim. Ele veio 'se arrastando', demonstrando muitíssima má vontade. Juntando-se o comum entusiasmo de tenentes novos e o rigorismo da vida militar quanto à hierarquia, eu disse ao soldado algo assim: "Negão, volta lá. Eu vou te chamar de novo e quero ver você vir até aqui vibrando, com vontade". Quero destacar que 'negão' é uma gíria muito comum na vida militar. Todo mundo usa, independentemente da cor da pele do militar. O soldado me atendeu. Fez o que eu disse, mas isso causou uma confusão enorme. Ele nem era negro. Tinha a pele do típico cidadão amazônico. Era meio bugre, de cabelos lisos. Após o incidente, o soldado encontrou, mesmo no domingo, o à época capitão Emílio e se queixou com ele, tendo dito horrores sobre mim. Disse que eu o tinha chamado de negro, que eu era racista e que ia me processar porque tinha parentes advogados na cidade. Para minha surpresa, o capitão mandou me chamar. Contou o que o soldado revelara a ele e, mesmo sendo um militar de Infantaria - a arma mais combativa e rigorosa do Exército - aconselhou-me com sabedoria ímpar. O capitão Emílio me disse: "Fabrício, para evitar maiores transtornos, vá lá e se desculpe com o soldado". Eu, apesar de meio contrariado, fiz o que o capitão me sugeriu. Chamei o soldado e lhe disse algo assim: "Já que você ficou tão chateado com o que aconteceu, eu quero lhe pedir desculpas". E ele me respondeu: "Eu não aceito tuas desculpas, tenente. Amanhã mesmo vou procurar meu advogado". Respondi mais ou menos assim: "Vá e faça o que entender adequado". Fiquei triste, chateado. Depois descobri que o soldado tinha uma família influente na cidade. Um tio era dono do maior cartório de Marabá. Resumindo: ele não precisava do quartel. A maioria dos soldados do Exércio é formada por meninos pobres, que procuram ali um emprego, uma possibilidade de crescer na vida. Embora isso tenha rendido muita conversa, tendo chegado até ao conhecimento do General, o soldado não me processou nem eu sofri uma punição severa por ter agredido tão gravemente o indefeso soldado. De todo modo, quero com esse post prestar a minha homenagem ao Coronel Emílio, militar que conheci. Não obstante os poucos contatos que tive com ele, percebi e ouvia referências excelentes sobre sua postura militar. Que Deus o acolha e conforte a sua família!
12 comentários:
Olá Fabrício,
Bonita homenagem e envolvente narração do lamentável incidente. Você escreve muito bem. Adoro quando tem novidades por aqui. Abraços!
Gleise, obrigado pela presença e pelo elogio. Você não sabe o quanto fico feliz com os comentários, fico muito contente. Sabe, esse blog me deixa eufórico, satisfeito, sei lá, me causa uma sensação tão gostosa de ver as postagens prontas, de saber que as pessoas leem (agora sem o acento), de ver os comentários. Posso lhe dizer que esse é hoje um dos meus maiores prazeres rs. Eu queria, quando você puder, conversar pelo telefone - ou pessoalmente - sobre a advocacia. O que você pensa, se está gostando, se pensa em concurso (aliás, abriu AGU - Procurador Federal. Acho esse interessante). Um beijo.
Caro irmão Fabrício,
Você já havia narrado vários momentos interessantes de seu período militar, mas este é especial. O que não me surpreende é o fato de sua história estar ligada a esse nobre militar brasileiro. Afinal, você é um ser humano mais que especial e, além de tudo, absurdamente talentoso. Registre-se que o pequeno epsódio envolvendo o 'negão' me parece ter sido importante apenas para ligar a história de Fabrício Andrade à do Coronel Emílio, que lamentavelmente se foi. Porém, morreu lutando por uma causa linda, por melhores condições de vida para o povo do Haiti.
Grande abraço!
Elias Nunes.
Tio, muito bom esse post sobre o Coronel Emílio, que Deus o tenha! A narração está muito legal.
Adorei "o indefeso soldado" infelismente existem pessoas que tem esse comportamento por terem algum prestigio se tornam arrogantes. haha
Beijos
Elias, até enfim você passou por aqui. Obrigado pelos elogios. Você é super suspeito, porque é um grande amigo. É verdade, narrei a história em razão do envolvimento nela do Cel Emílio. Mas ela é interessante, né mesmo? Espero vê-lo aqui outras vezes. Valeu.
Letícia, infeliZmente as pessoas são assim. O cara era um mala, mas, na verdade, aproveitei a história interessante para homenagear o coronel. Obrigado e um beijo.
Parabéns pela homenagem ao Coronel Emílio que estava no país mais pobre das Américas em missão de PAZ....e que desastre esse terremoto de magnitude 7, devastou completamente o Haiti e ceifou mas de 170 mil vidas.... meus pesares....que Deus console as pessoas daquele lugar....
Até,
Nossa Fabrício, nunca imaginei que você fosse tão preconceituoso... credo... rsrs
Fiótão... bão bão bão teu texto. A narração foi perfeita e contextualizadora. Acho que todos nós "presenciamos" as tuas ordens (caxias demais) para que o Negão voltasse saltitando... você, como bom tenente que era, deveria ter arrumado um sargento pra fazer da vida do cara um inferno...
Agora, falando do Coronel, ainda que todos queiram estar vivos, como um servidor e defensor da pátria, ele morreu servindo ao seu país. Pena que não nos ensinam a enxergar honra nisso porque, certamente, ela está aí para todos quanto amem sua terra e queiram contribuir para seu engrandecimento, inclusive, no cenário internacional...
Que Deus conforte a família e que ela sempre se orgulhe desse homem que se mostrou, na tua experiência, de grande humanidade...
Abraço
Fabrício, que bela surpresa conhecer outros aspectos do seu perfil. Sinto muito pela morte do Coronel, com quem dividiu parte de suas boas lembranças, - fatalidade ocorrida num contexto tão trágico como este.
Agora, só resta aproveitar as férias e retomar o trabalho com aquela carga a mais de energia e vitalidade, já que a vida, aquela física, é tão vulnerável e fugaz. Um abraço!
Olha é com uns exemplos assim que nos faz aprender e nos leva a ter certeza que este mundo é tão pequeno, como nos poderia imaginar o qto um acontecimento tão longe nos afetaria desta forma...
Olha td de muito bom professor Fabricio e continue sempre nos presentiando com seu textos.
Alan, Luma, William e Rogério, sinto-me extremamente lisonjeado com essas visitas. A Luma e o William já são, para a minha alegria, visitantes assíduos do blog rs. Já o Alan e o Rogério são muito bem-vindos aqui. Obrigado a todos pelas impressões deixadas aqui. Saudações a vocês.
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