sexta-feira, 29 de julho de 2011

O IPTU de Cacoal
















Leiam o texto e, em momento oportuno, eu explico melhor tudo isso.


A Lei Municipal nº 2.554/2009, que instituiu o Código Tributário do Município de Cacoal, autoriza que o ente tributante reveja, DE OFÍCIO, a base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), NÃO HAVENDO A PREVISÃO DE QUE SERÁ NECESSÁRIA A EDIÇÃO DE LEI FORMAL PARA QUE SE IMPLEMENTE A REVISÃO DA BASE DE CÁLCULO.

Segue abaixo transcrição dos dispositivos impugnados constantes da lei municipal.

LEI MUNICIPAL Nº 2.554/2009

Art. 20. A inscrição dos imóveis urbanos no cadastro imobiliário municipal será promovida:

IV – de ofício, em se tratando de imóvel federal, estadual, municipal, de autarquias, ou ainda quando a inscrição deixar de ser feita pelo proprietário ou possuidor a qualquer título;

Art. 24. A anotação da edificação nova, reconstruídas ou reformadas se fará da seguinte forma:

II – de ofício pela repartição fazendária, no caso de edificação em condições de uso.

Art. 48. A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel objeto da transmissão, transferência ou da cessão de direitos a ele relativos.

§ 1º O valor venal do imóvel ou das cessões realizadas será determinado pela administração, mediante estimativa, onde serão considerados os valores correntes das transações de bens ou direitos da mesma natureza no mercado imobiliário de Cacoal, características do imóvel como forma, dimensões, tipo, utilização, localização, estado de conservação, custo unitário da construção, infra-estrutura urbana, valores das áreas vizinhas ou situadas em zonas economicamente equivalentes.

§ 2º Para realizar as avaliações previstas no § 1º o Município, por meio de ato do chefe do Poder Executivo Municipal, poderá constituir comissão de avaliação composta por três membros livremente designados pelo Prefeito Municipal.

§ 3º A comissão de avaliação poderá, objetivando a eficiência dos serviços, elaborar tabela fixando critérios para se aferir o valor venal mínimo dos imóveis e que, para sua validade, deverá ser homologada pelo chefe do Poder Executivo Municipal.

Tais regras devem ser confrontadas com a Constituição Estadual, a qual, como se vê do seu art. 129, remete à Constituição Federal no que diz respeito às limitações do poder de tributar.

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RONDÔNIA

Seção II

Das Limitações do Poder de Tributar

Art. 129 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, são aplicados ao Estado e aos Municípios os mesmos princípios normatizados no art. 150 da Constituição Federal.

Assim, faz-se necessário examinar a compatibilidade dos dispositivos da referida lei municipal com a Constituição Federal, notadamente com o art. 150, I e III, b, CF, cuja redação trancreve-se:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

III - cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

Fundamentado nos dispositivos dos quais se pede a inconstitucionalidade, o Município de Cacoal editou a Portaria nº 002/GP de 10 de janeiro de 2011 e realizou revisão genérica dos valores venais dos imóveis.
A partir desses dados – obtidos com base nas regras impugnadas – o município de Cacoal lançou o IPTU com valores absolutamente elevados, quando comparados com o imposto de 2010.
É inegável, portanto, que a alteração da base de cálculo implicou aumento no tributo, o que se pode constatar de alguns lançamentos de 2010 e 2011, juntados nessa ação, o que também se verifica do Relatório das Atividades de Elaboração do Projeto de Regularização Mobiliária (fls. 15 e 16), no qual a Fiscalização Municipal destaca os percentuais (153%, 163%, 144%, 125%, 111%) que foram elevados em razão do levantamento e revisão dos valores venais.
O princípio da legalidade (art. 5º, II, CF) é considerado a maior proteção conferida aos particulares em face dos abusos cometidos pelo estado. Como se sabe, a atuação do Poder Público deve ser vinculada à lei justamente para se evitar subjetivismo e caprichos dos governantes. Transportando-se tal garantia à seara tributária, tem-se que somente por meio de lei formal – aquela proveniente do Poder Legislativo – é que se pode aumentar tributo. Não pode a portaria, não pode o decreto. Somente a lei formal é instrumento normativo idôneo para o aumento de tributo.
Ademais, destaca-se que o Estado Democrático de Direito pressupõe uma ordem jurídica em que se garantam importantes instrumentos para a defesa dos particulares em face do Poder do Estado. Os direitos e garantias individuais se apresentam como a maior defesa dos cidadãos em relação ao Estado. A segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão.
Como se trata de uma cláusula aberta, o seu conceito é indeterminado, mas é perfeitamente possível esclarecer o que é. A segurança jurídica é um direito fundamental do cidadão. Implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica. Significa a adoção pelo estado de comportamentos coerentes, estáveis, não contraditórios. É também, portanto, respeito a realidades consolidadas.
Onde está a previsão constitucional da segurança jurídica? No art. 5º, XXXVI, CF - "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Muitos chamam esse dispositivo da Lei Fundamental de 'Trilogia da Segurança Jurídica'. É exatamente isso. Esse três institutos - direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada - promovem segurança jurídica.
A segurança jurídica está igualmente no princípio da irretroatividade nas normas. As leis, em regra, devem ter efeitos prospectivos - para o futuro. Como se sabe, a anterioridade tributária presta igualmente homenagem ao princípio da segurança jurídica, ao se vedar que o ente tributante, cause, com a instituição ou o aumento do tributo, surpresa ao contribuinte.
Nessa mesma linha, vê-se também que os dispositivos da lei municipal hostilizada não contemplam a garantia da segurança jurídica aos contribuintes do IPTU (art. 150, III, b, CF).
Como se denota do anexo Parecer Jurídico da Procuradoria Geral do Município, a Fiscalização Municipal fez o levantamento e a revisão dos valores venais entre os dias 10 de janeiro e 03 de maio de 2011.
Ignorando-se que o fato gerador do IPTU se dá em janeiro de cada ano, o Município de Cacoal lançou o imposto valendo-se dos novos valores atribuídos aos imóveis urbanos.
Não se respeitou, por óbvio, uma mínima idéia de segurança jurídica, sobre a qual assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

Este aspecto temporal diz intimamente com o princípio da segurança jurídica, projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana e elemento conceitual do Estado de Direito." (MS 24.448, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 27-9-2007, Plenário, DJ de 14-11-2007.)

‘(...) Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público.’ (MS 22.357/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes)." (RE 358.875-AgR, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-2007, Segunda Turma, DJ de 7-12-2007.) No mesmo sentido: RE 566.832-AgR e RE 572.814-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-5-2009, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2009; RE 431.957-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 10-3-2009, Segunda Turma, DJE de 3-4-2009.
O  Supremo Tribunal Federal, julgando caso emblemático de repercussão geral, já enfrentou a questão, in verbis:
“STF – Repercussão Geral - AI 764518 RG / MG - MINAS GERAIS
EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Tributo. Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana - IPTU. Majoração da base de Cálculo. Publicação de mapas de valores genéricos. Necessidade de lei em sentido formal. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a necessidade de lei em sentido formal para fins de atualização do valor venal de imóveis.
“Somente por via de lei, no sentido formal, publicada no exercício financeiro anterior, é permitido aumentar tributo, como tal havendo de ser considerada a iniciativa de modificar a base de cálculo do IPTU, por meio de aplicação de tabelas genéricas de valorização de imóveis, relativamente a cada logradouro, que torna o tributo mais oneroso. Caso em que as novas regras determinantes da majoração da base de cálculo não poderiam ser aplicadas no mesmo exercício em que foram publicadas, sem ofensa ao princípio da anterioridade.” (RE 234.605, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 8-8-2000, Primeira Turma, DJ de 1º-12-2000.) No mesmo sentido: AI 534.150-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-4-2010, Segunda Turma, DJE de 30-4-2010; RE 114.078, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 23-3-1988, Plenário, DJ de 1º-7-1988.

A jurisprudência é tranqüila no sentido de que é possível dispensar a lei formal quando – e somente quando - se pretender apenas a correção monetária (art. 97, §2º, CTN), o que não ocorre no presente caso. Nesse particular, aliás, destacam-se importantes regras do Código Tributário Nacional, cuja redação se reproduz a seguir:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

§ 1º. Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

Constata-se nitidamente que é inequívoca a jurisprudência do STF no sentido de que se deve observar os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias (artigos 150, I e III, b, CF) para se pretender revisar a base de cálculo do IPTU na perspectiva econômica de valorização, porque isso implica considerável aumento do imposto.
Como já destacado, as regras constantes dos artigos 20, IV, 24, II, e do art. 48, §§ 1º, 2º e 3º da Lei Municipal nº 2.554/2009 estão permitindo que a Fazenda Pública municipal pratique verdadeira agressão à Constituição Estadual, acarretando enormes prejuízos à sociedade de Cacoal, que está sendo obrigada a pagar imposto referente a 2011 em absoluta discrepância com o valor exigido em 2010, chegando-se em alguns casos – como o da contribuinte Maria Lúcia de Souza - a uma diferença de mais 1.000% (MIL POR CENTO). Ela, em 2010, pagou R$ 188,20 (Cento e oitenta e oito reais e vinte centavos)e, em 2011, o imposto lançado e cobrado é de R$ 1.235,10 (Um mil, duzentos e trinta e cinco reais e dez centavos).
Para estarem em harmonia com a Constituição Federal, as normas da lei municipal deveriam conter algo semelhante à expressão ‘mediante lei formal e observado o princípio da anterioridade’ ou ‘observados os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias’.
Em parecer do dia 09/05/2011, que segue anexo, a própria (!) Procuradoria Geral do Município entendeu que não se poderia cobrar o IPTU/2011 utilizando-se as novas bases de cálculo, porque agir assim violaria os princípios da legalidade, lealdade, segurança jurídica, anterioridade, transparência, vedação ao confisco, e capacidade contributiva.
Ocorre, porém, que a Prefeitura Municipal não acatou referido parecer e insiste em cobrar o IPTU/2011 utilizando-se as novas bases de cálculo, alterada por conta da fiscalização deflagrada pela Portaria n. 002/GP de 10 de Janeiro de 2011.
Destaca-se, por fim, que, mesmo tendo havido enorme repercussão em toda a sociedade, com realização audiência pública pela Câmara de Vereadores e manifestação expressa da OAB (Subseção de Cacoal), o município de Cacoal é contumaz em cobrar o IPTU da maneira como foi lançado, ou seja, considerando-se a vultosa alteração da base de cálculo do tributo. Não obstante isso, preocupado com a absurda elevação do IPTU,  prorrogou-se o vencimento do imposto para setembro.