terça-feira, 1 de junho de 2010

O Brasil e a nova configuração geopolítica mundial
















Este texto é do professor e meu amigo Elias Nunes de Oliveira, em resposta a artigo do também meu amigo William Gama, publicado em seu blog e encontrado no link (http://otrovante-blogdowilliam.blogspot.com/2010/05/mais-uma-do-lula-aff.html), com o título "Mais uma do Lula ... AFF!!!", no qual ele critica ferrenhamente a política internacional do governo Lula, em especial o caso envolvendo o Irã e a sua questão nuclear. Lá vai!
Um conjunto de fatos concretos reúne os principais lances do jogo atual, que aponta claramente para um reequilíbrio de forças no plano internacional. E nesse cenário, os chamados BRIC´s são os protagonistas, com destaque para o Brasil. Desde negociações em nível regional, atuando para dirimir conflitos entre Colômbia e Venezuela, passando pelas últimas negociações da Rodada Doha, pela vitória na OMC contra os EUA, até o Acordo com o Irã, a diplomacia brasileira tem dado o tom das negociações internacionais. E o faz com muita eficiência. O resultado deste trabalho é a consagração nas diretrizes de política externa que os americanos divulgaram na semana passada, dedicando boa parte do texto ao Brasil, detalhando de que maneira o país passa a ser considerado no plano estratégico internacional. São vários os pontos, portanto, que merecem reflexão. Atenho-me aqui, em especial, ao acordo celebrado com o Irã, que me parece ser o marco histórico desse processo. Para alguns setores que criticam as ações da diplomacia brasileira, o acordo não é produtivo e atrapalha os planos do Brasil na disputa por uma vaga permanente no conselho de segurança. É engraçado, pois esses mesmos setores, em certa medida, discordam da busca pela vaga no conselho. A crítica carece de lógica, portanto. É interessante também que, ao criticar ou achar estranho o Brasil se meter em uma questão tão distante de nossos interesses e nossa realidade, ninguém menciona a atuação destacada da diplomacia brasileira nas negociações para a criação do Estado de Israel, na pessoa do senhor Osvaldo Aranha. Curioso, não? De outro lado, se o acordo é bom ou não para o processo de não proliferação de armas nucleares, ou se atrapalha o andamento das negociações para imposição de sanções ao Irã, não se sabe. O que se sabe é que as sanções, em geral, também não produzem resultados positivos. E os exemplos nesse sentido são vários. Destaque-se o caso absurdo do Iraque. Agora, do ponto de vista da estratégia brasileira, e da lógica de sua atuação, o que não há nesse processo é ingenuidade. Aliás, bem ao contrário, pois no fundo também se considera a possibilidade de o Brasil desenvolver a bomba atômica. Pode soar estranho, mas é coerente com a lógica desse novo jogo e reequilíbrio de forças, e a diplomacia brasileira tem clara noção disso. Na nova configuração geopolítica mundial, quem desponta é o Brasil, e não apenas o presidente Lula. Estamos falando de um país que reúne o maior conjunto de recursos estratégicos para o desenvolvimento “sustentado” e “sustentável” da economia mundial. Cabe aqui um dado interessante: as reservas brasileiras, em divisas estrangeiras, na segunda metade da década de 1990, eram de aproximadamente 30 bilhões de dólares, e agora caminham para os 300 bilhões. Esse dado, isoladamente, não quer dizer muita coisa, mas no conjunto dos fundamentos da economia brasileira, ajuda a explicar a estratégia mais agressiva do Brasil no cenário internacional. O Brasil é cada vez mais chamado ao debate. E nessa arena, Lula e o Itamaraty têm dado sinais bastante claros de que sabem o que querem. Não querem jogar por jogar, querem marcar gols. E isso significa disputar espaços, assumir posições importantes e, se possível, até controlar o jogo ao seu ritmo e ao seu sabor. Isso não se consegue sem nenhum incômodo, claro. Porém, fica cada vez mais difícil querer reprimir ou impedir as movimentações brasileiras nesse campo de jogo. O presidente da França, por exemplo, com o seu Rafale, sabe disso.

13 comentários:

Jonas Viana de Oliveira disse...

Caro Fabricio, vou fazer um comentário aqui, para que o Elias o leia.

Elias, primeiro quero dizer que coloquei o link deste blog no meu. É muito bom mesmo.

Com relação à movimentação brasileira pelo cenário internacional, acho que nenhum brasileiro é contra o Brasil fazer sucesso. Entretanto, o que tem que ser combatido é a confusão que o pessoal está fazendo entre Estado e Governo. A diplomacia deve ser assunto de Estado e não de Governo. Quando o assunto é de Governo, pode-se impor a ideologia que o partido que governa tem, mas quando o assunto é de Estado isso não pode acontecer. Continua...

Jonas Viana de Oliveira disse...

O que está acontecendo com a diplomacia brasileira é ilusão. Eles estão pensando no curto prazo. A longo prazo o país perde com as atitudes tomadas pelo Brasil. Está patente que a política externa brasileira está se opondo aos EUA simplesmente por ideologia do PT. O Brasil nunca se alinhou incondicionalmente aos EUA, tanto que esta vitória na OMC refere-se a uma ação movida no Governo FHC, mas também o Brasil nunca foi a priori contra tudo o que os EUA são a favor. Isso é uma política burra. A ideologia está impregnada nas ações externas nossa. Veja o caso do Chile, enquanto a Bachelet era presidente o Brasil vivia cortejando aquele país. Ganhou um político de direita e Lula nem à posse compareceu. Isso é ideologia. Cont...

Jonas Viana de Oliveira disse...

Antes desse pessoal, o Brasil já estava sendo colocado de novo no mapa-mundi da política, mas de forma responsável e consequente, tratando as coisas como elas são. No caso do Irã, ficou patente que o pessoal não está preocupado com o futuro deste país. Esse regime opressor só não tem mais inimigos no Oriente-Médio do que Israel. Ao se alinhar ao Irá, o Brasil está abrindo mão de se relacionar civilizadamente com todos os outros países daquele barril de pólvora, chamado meio oriente. E por que o Brasil faz isso? Porque os EUA são contra o Irã. Isso não é política externa sustentável. Se, até a China e Russia, outros países do BRIC's, que teriam mais motivos para enfrentar os EUA, não se alinharam com o Irã, por que o Brasil fez isso?
É meu amigo Elias, um dia pessoalmente nos podemos discutir mais. Por enquanto, gostaria apenas que você considerasse que a política externa brasileira deve ser de Estado e não de Governo.
Um abraço.

O Alienista disse...

Caro amigo Elias e demais colegas (em especial o dono do Blog)!

Meus caros, sou completamente favorável à avaliação feita pelo amigo Elias e poderia até acrescentar outros elementos, mas não vou fazê-lo. Quero apenas dizer que em minha opinião o Brasil está deixando de posar de vira-lata e está tomando no ambiente internacional um espaço que é seu. A diplomacia brasileira me orgulha por sua altivez. É em função do trabalho do Itamaraty e da equipe econômica DESTE GOVERNO que o Brasil tem conquistado a atenção internacional e, mais do que isso, tem feito negócios internacionais, reduzindo sua dependêcia histórica do Tio San.
É por isso que eu digo: É Dilma no executivo e PSTU e PSOL no congresso Nacional!!!!
LULA E DUNGA TÊM RAZÃO!!!! KKKK

Elias Nunes disse...

Amigo Jonas,

Muito me honra seu comentário.

Vamos a algumas tentativas de contraponto.

Concordo que às vezes se faz essa confusão entre o que é assunto de Estado e assunto de Governo. E vejo também que ações da diplomacia não devem ter esse caráter tão midiático. No entanto, há que se considerar que essa mistura ou confusão e a conseqüente exploração na mídia de ações no campo diplomático têm sido muito comum na história dos americanos, chineses, russos e outros países. O Brasil, na condução de várias questões recentes, tem agido de forma razoavelmente discreta. A questão do Irã ganhou essas proporções por se tratar de um caso emblemático na história da diplomacia brasileira. Concordo contigo que a estratégia foge do convencional, mas não vejo que isso signifique prejuízos no longo prazo. Pelo contrário, vejo que com essas ações o Brasil marca posições e será cada vez mais convidado ao debate. Veja que, agindo assim, o Brasil figura agora na estratégia de política externa americana como nunca figurou. É uma questão de estratégia, e não a vejo com uma política burra. Aliás, se Rússia e China estão agindo hoje de forma diferente, chegaram a essa condição usando estratégias bem mais agressivas e antiamericanas que o Brasil. Observe-se, entretanto, que a posição da Rússia ainda não está muito clara, e manifestou certo ciúme em relação ao Brasil. Não chegaria ao exagero de dizer que no longo prazo estaremos todos mortos, conforme observou nosso amigo John Maynard Keynes. De fato é uma questão de estratégia e essa pode não ser a melhor, por ser considerada, em certa medida, como irresponsável ou inconseqüente e de curto prazo. Todavia, salvo algum desconto que se possa fazer na busca por um país melhor desenvolvido e menos desigual, a tal política responsável e conseqüente no campo externo não conseguiu nos tirar das primeiras posições como país mais desigual do planeta. E lá se vão mais de 500 anos. Os resultados dessa estratégia a história vai dizer.

Forte abraço!!

Elias Nunes disse...

Caro amigo Givaldo, que bom receber sua visita ao blog do nosso amigo Fabrício e obrigado pelo comentário. O mais legal disso tudo é imaginar a carinha de ciúme do FHC..rs. Fote abraço Giva!!

Thonny Hawany disse...

Meu querido Elias,

Li o seu texto e sou da mesma opinião. Por paixões partidárias, alguns emitem opiniões que não condizem com a realidade de um país ou de um governo. A sua análise do cenário brasileiro internacional foi perfeita e sóbria. Talvez Lula tenha razão quando diz que “nunca na história deste país” se ouviu falar tanto no Brasil à frente de grandes negociações, de grandes reuniões internacionais. O Lula não é nenhum abobalhado que não saiba o que está fazendo e, por outro lado, ele está assessorado por homens e mulheres que sabem bem para onde querem ir e com eles acabam levando o Brasil. A nossa opinião sobre tudo o que está ocorrendo já foi dada no momento em que votamos nele por duas vezes, e em breve poderemos opinar novamente e, pelo andar da carruagem, parece-me que o povo brasileiro está gostando da forma como o timoneiro está conduzindo o navio chamado Brasil. De economia e de relações internacionais quem entende é você, mas ninguém pode ser acanhado o bastante para perceber que estamos avançando e a passos largos. Parabéns pelo texto...

Elias Nunes disse...

Caro amigo Tony, que honra receber seu comentário. Fico feliz ao observar que comungamos dessa idéia de que efetivamente algum avanço no período recente. Com você bem disse, não é necessário enteder de economia para constatar isso. E, logicamente, com a lucidez e sabedoria de Antônio Carlos da Silva Tony, fica bem mais fácil. Abraço!!!

Unknown disse...

Caro Elias!
Parabéns pela reflexão, lembrando ao meu estimado Jonas(empetecido), que na República Federativa do Brasil, a figura de Chefe de Estado e Chefe de Governo estão investidas tão somente no Presidente. A história se constroe desta forma Galileu foi considerado herede por afirmar que a terra é redonda, e Lula paga o preço por colocar o Brasil no seu lugar de direito no novo cenário mundial. Seria em demasia comezinho manter a figura do Presidente do Brasil como dono de celeiro, o jogo mudou rumo ao 5º lugar na economia mundial.

Elias Nunes disse...

Meu irmão Fábio, oportuno esse seu esclarecimento sobre o presidente. E como bem disse, estamos deixando definitivamente essa posição de vira lata e simples dono de celeiro. Abraço!!!

William R Grilli Gama disse...

Caros Elias e Fabrício.
O texto é de grande qualidade mas, se me permitem, parece muito mais colocado como uma defesa ao presidente do que ao Brasil. Não se questiona que o Brasil precise tomar posições na sua política externa. O que se questiona são as escolhas e as motivações que vem pautando as brigas que o Brasil vem comprando.
Para mim está claro que a política externa do governo Lula está viciada pela ideologia ultrapassada dos membro do PT que querem se opor aos EUA e isso é ridículo e de pouca praticidade.
Continuo achando um erro o acordo com o Irã. Apenas dá mais prazo para um devedor contumaz.
Política de Estado não pode se confundir com Política de Governo e que bom que nao sou voz isolada nesses comentários tão simpáticos ao PT e seus métodos.
Quando comecei a fazer meu contraponto escrevi tanto que ficou muito grande para um comentário. Resolvi transformar em texto e coloquei nesse link: http://otrovante-blogdowilliam.blogspot.com/2010/06/contrapondo-contrapontos.html

No mais, pra mim o Brasil erra ao se associar aos excluídos. Quererá se fazer líder de quem não se sujeita a ser liderado

Elias Nunes disse...

Caro amigo William,
Sinto-me honrado com seu comentário e, registre-se, você está de parabéns por escrever de forma tão elegante. Logicamente eu discordo, em boa parte, do seu ponto de vista. Em que pese o texto retratar seu estilo, a fundamentação, aparentemente, tem um toque de Editora Abril, o que a meu ver é um tanto perigoso. Concordo que não me preocupei em disfarçar a defesa do presidente, porém os pontos que abordados ali mostram o que de fato tem ocorrido no nosso país. São mudanças substanciais, cujos resultados estão aí e são reconhecidos aqui e lá fora. Ao longo da história foram diversas análises, estratégias e busca de resultados que, em termos práticos, determinaram nossa “vida bela e digna”. Nem a reforma agrária ao estilo capitalista, que todos os países capitalistas avançados fizeram, os queridinhos da América deixaram a gente fazer. Este governo tem muitos erros (poderia citá-los e caberia uma outra discussão), mas tem tentado fazer diferente e os resultados, como disse, estão aí. De populista, este governo tem pouco. Tenta-se associar esse caráter a partir de programas ditos “assistencialistas” como Bolsa Família. Porém, diferentemente do que mostram os principais meios de comunicação, os resultados socioeconômicos de tal programa são bons e está em sintonia com teorias modernas de desenvolvimento econômico e social. A propósito, essa idéia que tentam passar de ”ideologia ultrapassada” da nossa esquerda, é algo que não corresponde aos fatos. Todas as teorias recentes de desenvolvimento buscam discutir exatamente essa questão, ou seja, o papel do mercado, do Estado e, ainda, de que maneira a idéia de capital social se posiciona nessa relação Estado versus Mercado. Some-se ainda a relação de todas essas discussões no campo sócioeconômico com o Direito, especialmente no que se refere aos direitos fundamentais. E aí, meu caro, desculpe, mas fica muito difícil definir os limites de atuação de um presidente nessa possível confusão entre política de Estado e política de Governo. Observe-se que praticamente todos os países que hoje gozam de melhor posição nos principais indicadores de desenvolvimento, chegaram a essas posições principalmente por ultrapassar tais delimitações, interna e externamente. Com relação à aproximação com Chaves, Fidel, Raul, Morales e Ahmadinejad, e o risco de o Brasil ser preterido, veja, não é exatamente como isso que o Brasil está preocupado; nem de longe o interesse do mundo pelo Brasil passa pelo simples potencial de mercado consumidor e detentor de recursos naturais; é bem mais que isso e a questão é mais complexa do que parece, e mereceria uma outra discussão. Concordo contigo que o Brasil, durante muito tempo, contentou-se com pouco. A diferença é que agora nosso posicionamento é outro e não nos contentamos com qualquer agrado. Mais uma vez, os resultados estão aí (poderia citar vários exemplos). Ainda bem, porque o FHC, com seu estilo bastante definido em termos de política de Estado e política de Governo, contentou-se com alguns prêmios de consolação e, por pouco, não entregou o país. Eu tenho um pouco de pena do Serra, pois é bem intencionado, e acho até que ganha a eleição. Mas, infelizmente, me parece um “estranho no ninho” tucano. Por fim, meu amigo William, parafraseando vossa ilustre pessoa, diria que em relação ao FHC poderíamos, sim, expressar: MAIS TANTAS DO FHC... AFF...rs.

Fabrício Andrade disse...

Elias, tive enorme satisfação em publicar aqui no blog esse seu texto, o qual permitiu profícua discussão sobre tema de tão elevado nível. Os embates ideológicos foram sensacionais e sempre mantido o respeito entre os oponentes. Li várias vezes os comentários para aprender mais. As opiniões do William e do Jonas me impressionaram, mas revelam uma posição de quem não se permite ver a questão sob outra perspectiva. Parece aquela visão de quem eternamente vai discordar, porque não simpatiza com a pessoa. E outra: pode até ser uma afirmação sem um exame empírico mais aprofundado, mas vou dizer: Quem tem uma origem mais modesta vai se sensibilizar, por exemplo, com as políticas sociais implementadas pelo atual governo, ainda que se possa fazer um juízo crítico dele e reconhecer muitos erros (nem vou votar na Dilma). Eu faço isso. Aliás, tenho um texto antigo enorme, no qual critico fortemente o governo Lula. Assim, a despeito dos reconhecidos erros, tenho uma uma simpatia pela figura do presidente. Não dá para aceitar, por outro lado, que todas as referências elogiosas e prêmios que o presidente recebeu decorreram apenas de sua figura simpática. A respeito do caso recente do Irã, filio-me e subscrevo o que foi asseverado pelo Elias, muito bem ratificado pelo querido Givaldo. Belíssima discussão! Coloco o blog sempre à disposição. Obrigado a todos.